A história começa quando o médico Drauzio Varella resolve fazer um trabalho de prevenção à AIDS no maior presídio da América Latina: a Casa de Detenção de São Paulo. Ali, toma contato com o que, aqui fora, temos até medo de imaginar: violência, superlotação, instalações precárias, falta de assistência médica e jurídica, falta de tudo. O Carandiru, com seus mais de sete mil detentos, merece sua fama de "inferno na terra". Porém, nosso personagem logo percebe que, mesmo vivendo numa situação limite, os internos não representam figuras demoníacas. Ao contrário, ele testemunha solidariedade, organização e, acima de tudo, uma grande disposição de viver. Não é pouco e é o suficiente para que ele, fascinado, resolva iniciar um trabalho voluntário. O oncologista famoso, habituado à mais sofisticada tecnologia médica, vai praticar medicina como os antigos: com estetoscópio, olhar sensível e muita conversa.
Seu trabalho dá resultado e o Médico logo ganha o respeito da coletividade. Com o respeito, vêm os segredos. As consultas vão além das doenças e desdobram-se em narrativas cheias de vitalidade. Em nosso filme, os encontros na enfermaria são uma janela para o mundo da malandragem.
Conhecemos o destino do estuprador Gilson, julgado e condenado pela Lei do Crime; Zico e Deusdete, amigos inseparáveis e, na cadeia, assassinos um do outro; a necessária ginga do bígamo Majestade entre mulheres e assaltos; o velho Chico, Mestre Zen cultivado na masmorra e prestes a ganhar a liberdade; o Diretor Pires, funcionário obrigado a pisar em ovos para administrar a cadeia; Nego Preto, líder da massa carcerária e juiz de suas desavenças; a conversão do matador Peixeira; ascensão e queda do surfista Ezequiel; Antonio Carlos, Claudiomiro e, entre eles, como uma faca, a perversa Dina; o filósofo existencialista Sem Chance e seu romance com a divina Lady Di. A narrativa do filme arma-se como um quebra-cabeça: uma história se encaixa na outra para formar um painel desta trágica realidade brasileira.
Com o Médico, o espectador acompanha os movimentos dessa gente. Acompanha também quando um movimento maior vem e destrói essa gente. Como naquele 2 de outubro de 1992, um dos dias mais negros da história do Carandiru e, quem sabe, do Brasil, quando a Polícia Militar do Estado de São Paulo, a pretexto de manter a lei e a ordem, fuzilou 111 pessoas. Foi o ponto final de algumas de nossas histórias. Mas não de todas. Para o bem e para o mal, os malandros do Brasil teimam em sobreviver.
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