segunda-feira, 9 de abril de 2012

A mardita da cachaça




Nem todo mundo sabe, mas bebe-se muito no interior. Como as opções de lazer geralmente são limitadas, as pessoas reservam-se o direito de encherem a cara em bares, botecos e barraquinhas pra se divertir. O problema é que as consequências disso nem sempre são boas, devido às mazelas provocadas pela bebida (desde gastrite, úlcera, pancreatite, até cirrose e câncer de fígado), mas não se pode ignorar o fato de que a bebedeira dá boas histórias.
Nas cidades pequenas é muito comum as pessoas levarem seus parentes ébrios aos PS de hospitais e clínicas para curar a ressaca numa maca, sem atrapalhar a vida dos familiares, mas nem sempre há necessidade de hospitalização e muitas vezes o número reduzido de leitos faz os médicos optarem por reservá-los para emergências reais e não bebedeira (não estou aqui tratando de coma alcoólico, apenas do bebum mesmo).
Para tentar convencer o plantonista de que se trata de algo grave, a família tende a criar as histórias mais esdrúxulas possíveis. Contam que ele bebeu álcool de limpeza ou água sanitária, vomitou bile ou sangue e por aí vai. Certa vez, quando eu ainda dava plantão em sala de emergência, um camarada chegou ao hospital informando que sua esposa haveria falecido em casa devido à bebida e que precisava constatar o óbito. Como eu não podia sair do plantão, enviei uma das ambulâncias para buscar o corpo e assim poder examiná-lo e preencher a declaração de óbito. O marido, precavido, já tinha acertado com uma funerária local o caixão que foi no fundo da ambulância para trazer a falecida de forma mais digna. Ao retornar do roteiro fúnebre, o motorista encostou o fundo do carro na porta da emergência, o que achei estranho, pois geralmente eles levam o corpo direto para o velório, no fundo do hospital. Ao abrir a porta da ambulância toda a equipe se assustou com a cena: caixão vazio com a digníssima esposa sentada e abraçada a ele para não cair (nem ela, nem o caixão) e, obviamente, vivinha da silva. A primeira reação, após longos segundos de silêncio absoluto, foi do marido dizendo surpreso: “Essa desgraça não morreu, não, foi?”. Diante do ocorrido, só nos restou avaliar a paciente, hidratá-la, medicá-la e devolve-la ao seu santo esposo para que pudessem viver felizes para sempre.
Outra história engraçada foi a de um cigano aqui de Amargosa. Para quem não sabe, ciganos em cidade do interior vivem quase que exclusivamente de agiotagem e têm ambições bem diferentes das nossas (por exemplo, compram correntes e anéis bem grossos de ouro, mas andam de Gol sem ar condicionado). O referido cigano deste caso foi cobrar uma dívida em outra cidade (Vitória da Conquista, 318 km de Amargosa pela BR-316) e, para ser mais econômico, foi de ônibus. Ao receber o dinheiro (mais de R$5.000,00), colocou dentro de um saco de pão junto com umas bolas de papel para fazer volume, para que ninguém desconfiasse do que se tratava o pacote. Ao entrar no ônibus de retorno, percebeu que o único lugar disponível para se sentar era lá no fundo, ao lado de um bêbado todo sujo e vomitado. Adepto da máxima “só tem tu, vai tu mesmo”, sentou-se e veio embora. No meio do caminho, o veículo onde se encontrava foi assaltado por três indivíduos armados que foram de assento em assento com uma sacolinha recolhendo tudo que tivesse algum valor. Rapidamente, o cigano colocou o saco de pão sobre sua mão esquerda, escondendo seu anelão de ouro e rezou para não levarem nada dele. Ao chegar ao fundo do ônibus o assaltante se deparou com o bêbado imundo e fedorento, olhou pra sua sacola e disse: “já ta bom, vamos embora”. O cigano suspirou aliviado e antes de descer na rodoviária de Amargosa, enfiou a mão no saco de pão, tirou R$100,00 e colocou no bolso do bêbado (que dormiu a viagem toda e ainda não tinha acordado) dizendo: “Deus te acompanhe, meu irmão!”
Bebida é um bom investimento em cidade pequena, aqui em Amargosa é absurda a quantidade de bares por metro quadrado. Deve ter um bar para cada dez habitantes! Quando uma loja comercial vai à falência, em dois dias vira um boteco ou igreja evangélica (a maior concorrente do bar). Pode até ser sacrilégio, mas existe um certo sinergismo entre a igreja e o botequim: o camarada percebe que está destruindo sua vida com a bebedeira, arrepende-se e vai para a igreja. Lá, ele percebe que o falso pastor só está querendo pegar seu dinheiro e volta pra birosca, pois é mais barato encher a cara de cachaça do que satisfazer o “dízimo” da igreja. Esse vai e volta é eterno, difícil é saber em que fase o camarada se encontra na hora de oferecer uma bebida. Se ele está na igreja e você oferece uma cerveja, ele te responde: “Deus é mais! Eu não boto mais esse veneno na minha boca, ta repreendido em nome de Jesus!”. Daí a 15 dias você oferece um refrigerante sem saber que ele voltou à vida boêmia e recebe como resposta o seguinte: “Tá me achando com cara de viado, é? Bota uma destilada pra mim aí, homem!”. É dureza! E se deu duro, tome um Dreher (desculpa, não resisti).
Bebida, como quase tudo na vida, requer responsabilidade e moderação. Quem não sabe se controlar, não deve beber. Mas se você toma uma de vez em quando e muito raramente passa por situações constrangedoras, conte nos comentários um de seus casos engraçados ou de algum conhecido e façamos um AA do Dr. Tapioca.
Por:Vinicius Tapioca
@DrTapioca

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