
Em entrevista exclusiva para o Blog LGBTudo, as meninas mostraram a sintonia de quem está junto há 1 ano e meio… Falando sempre em coro (e, às vezes, uma completando a fala da outra), elas lembram como tudo aconteceu e reforçam a importância de todos lutarem pelo direito de serem felizes. Confira:
Blog LGBTudo: Afinal, o que aconteceu com vocês no restaurante?
Dayanne e Beatriz: Então, a gente estava na hora do almoço lá, num dia de pouco movimento (deviam ter umas 4 mesas ocupadas além da nossa). Tínhamos ido lá no Só Caldinho algumas outras vezes e o garçom que nos atende sempre foi muito educado e nos tratou bem. Naquele dia, também não estava sendo diferente. Já tínhamos feito amizade com o garçom e tudo. A única coisa que fizemos foi trocar carinho, como qualquer outro casal faria, e demos dois selinhos. Aí, no meio do atendimento, o maitre, que não estava nos atendendo, veio até nossa mesa e disse que não podíamos nos beijar ali.
E depois?
Nós perguntamos “por quê?”. Aí, ele respondeu que “aquele era um ambiente de familia, que exigia respeito, etc”. A gente perguntou se ele falaria a mesma coisa pra um casal “normal”. E ele respondeu que “não somos um casal normal”, deixando bem explícita sua homofobia. Daí, eu (Dayanne) perguntei se ele sabia da existência da lei (a 17.025) e que ele era probibido de fazer aquilo. Ele ignorou e continuou irredutível na atitude dele, dizendo que ali nós não poderíamos nos beijar. Queria deixar bem claro que em momento algum fomos expulsas do restaurante.
Que atitude vocês tomaram?
Dayanne: Fui para delegacia, que é do lado do restaurante, e deixei Bia lá.
Beatriz: Eu fiquei, já que a gente não tinha pago a conta. O garçom que nos atendeu veio tentar “estabelecer a paz”, dizer que o maitre era novato e que não conhecia a lei. E perguntou se eu não queria ir chamar Nany, para ela desistir de prestar a queixa.
Dayanne: Na delegacia, o escrivão disse que infelizmente eu só poderia registrar a queixa se estivéssemos nós duas lá. Por isso, voltei ao restaurante. Lá, o garçom estava me esperando na esquina e quis acalmar meus nervos (risos). O maitre disse que já tinha falado com a gerente, que realmente existia a lei, e que ele pedia desculpas. Só que o dano já estava feito, é claro. Pagamos a conta e fomos atrás dos nossos direitos.
Para onde vocês foram depois de sair do restaurante? Enfrentaram muita burocracia?
Nesse dia, foi um roda-roda até chegar na delegacia… A gente queria ir no Centro Estadual de Combate à Homofobia, mas não sabíamos onde ficava. Fomos na ouvidoria, numa delegacia que não existe mais, e lá nos disseram que a queixa precisaria ser feita na Delegacia da Mulher. Saímos de Boa Viagem até Santo Amaro. Lá, também não puderam registrar a queixa, porque tinha que ser no bairro onde ocorreu o fato. Aí, voltaaaaaaaaaaaaaamos para a Delegacia de Boa Viagem, onde finalmente registramos a queixa e fizemos um boletim de ocorrência (B.O.). Na delegacia, foi tudo tranquilo. Fomos muito bem tratadas, especialmente pelo delegado Erivaldo Guerra. Ele foi bastante atencioso.
Nossa… Já deviam estar bem aborrecidas depois de toda essa correria… Então, o dia parou por aí?
Dayanne: Que nada… Depois da delegacia, a gente ainda voltou no restaurante, porque o garçom tinha nos informado que a gerente estaria lá por volta das 17h. Para nossa surpresa, ela se mostrou tão homofóbica quanto o maitre, só foi um pouco mais educada. Veio com aquele velho discurso de “temos funcionários gays, tenho familiares gays”, etc. Mas falou que “crianças e idosos não entenderiam” o nosso carinho. E, por isso, quando clientes amigos dela estavam no restaurante “passando dos limites”, ela pedia para “maneirar”. E, segundo ela, “como o maitre a via fazendo isso, achou que ele também podia fazer com todo mundo”.
Beatriz: No fim, ela ainda falou: “mas a gente tem que cumprir a lei, né?”. Era como se caso a lei não existisse, ela iria nos censurar sem pensar duas vezes.
Vocês comentaram que “foram longos seis meses de exposição e audiências”… O que fizeram até ontem, dia do resultado positivo com a Prefeitura do Recife?
Menino, depois do B.O., foi um boom de gente nos procurando. Jornais, TVs, etc. Muitos realmente falaram com a gente, mas algumas matérias a gente nem fazia ideia de que tinham sido publicadas. Naquela época, por receio de uma exposição exagerada antes do caso apurado, a gente preferia não expor nem nossos nomes. Também não queríamos meter nossas famílias no caso. Mas, quando vimos, tinha até nossas imagens e do restaurante passando na TV.
E como suas famílias lidaram com a repercussão que o caso ganhou?
Beatriz: Minha mãe prefere não saber de nada. Assim… Acho que ela vai ficar BEM chateada quando descobrir que está saindo em todo canto. Mas de qualquer forma, isso TEM que vir a público.
Dayanne: Na minha casa é o seguinte: eu moro com a minha mãe e a minha tia. Minha mãe é de boa, me apoiou desde o primeiro dia que soube da minha orientação. Ficou assustada com o caso, porque era exposição demais e porque a gente tava mexendo com “gente grande”. Mas esteve sempre do meu lado, compreendendo.
E quanto aos trâmites legais, meninas?
Estamos sendo guiadas o tempo todo pelo Centro Estadual de Combate à Homofobia. Eles que acompanharam todo esse processo administrativo.
Vocês acabaram virando um símbolo de combate à homofobia para muita gente, não é? Alguns amigos chegaram a comentar com vocês fatos semelhantes que rolaram com eles??
Beatriz: Sim (risos)… Quando aconteceu, a gente ouviu muitos relatos de situações parecidas. Mas todos eles eram de situações que já tinham acontecido e quase nenhum deles tinha tomado nenhuma providência. Mas eu não ouvi nenhum relato que tenha acontecido posteriormente ao nosso caso. O que é muito bom…
E por que acha que vocês foram diferentes dos demais? Por que foram tão insistentes em tomar uma providência?
Beatriz: Porque a gente é muito teimosa (risos)! A gente sabia da existência dessa lei. E não era possível que não fosse dar em nada. Nossa vontade de ir até o fim só foi aumentando com o tempo. É muito doloroso uma pessoa chegar para você e dizer que você “não é um casal”.
É… Também já passei por um caso semelhante… Cheguei a brigar com o gerente do estabelecimento, mas meu namorado na época não era assumido e pediu para eu não ir em frente com a história, para evitar confusão com a família dele…
Sério? É, esse foi um pouco do nosso medo também. Mas, ingenuamente, achamos que a história não ia ficar tão grande quanto ficou.
Mas vocês não se arrependem de toda a exposição…
De jeito nenhum! (risos) A gente está muito feliz com o resultado, de verdade! Como alguns amigos já disseram, essa vitória não é só nossa… É de toda a comunidade LGBT!
Como foi a reunião com o pessoal da prefeitura, na quinta-feira? Foi burocrática?
De jeito nenhum, foi um ótimo debate. O pessoal foi muito simpático. A discussão foi sobre como o movimento LGBT está se fortalecendo e ressaltaram a importância de atitudes como a nossa. E falaram que todos nós, homossexuais, podemos contar com eles quando precisássemos. O pessoal da Dircon se comprometeu em fazer a parte deles, de monitorar o restaurante. Foram muito competentes.
E agora? É acompanhar para ver se esse caso não vai se repetir?
Dayanne: Claro. Mas acho que essa história toda serviu, principalmente, passar a mensagem de esperança a todos. E que, caso isso aconteça novamente, todos lutem por seus direitos.
Vocês estão juntas há 1 ano e 9 meses. Sempre foram assim “bem resolvidas”? Sem “vergonha” de demonstrar afeto em locais públicos?
Coro: Sempre. Desde antes de começar a namorar (risos)
Acho que isso ajuda muito… Às vezes, a militância também é difícil porque ainda existem gays que “vivem escondidos”…
Dayanne: É… já ouvimos de gente do babado que só beija em “lugares gays” e evita em “lugares héteros”… É “Lugar gay x Lugar hétero”, algo apartheid. Quando a gente compartilhou a história, na época do acontecido, num grupo lésbico do Facebook, rolaram muitos comentários do tipo: “Eu evito beijar minha namorada na frente de crianças, porque elas não entendem”.
Beatriz:Já ouvi muita gente falando que “o maior racista é o próprio negro”. Acho que funciona para nós também. Talvez, pelo fato de a vida inteira nos dizerem que “ser homossexual é errado”
Vocês acham que o Recife é “um bom lugar para os gays”? Se não, o que ainda falta?
Beatriz: Até esse fato, nunca tinha acontecido nada com a gente, a não ser olhares, cantadas, piadinhas, etc. Isso é chato, mas dá para relevar…
Dayanne: Não é o pior lugar, é verdade. Mas ainda não é bom. Acho que ainda falta o que falta na maioria dos lugares: conscientização, abertura de mente, sensibilização da causa. Para que a homofobia não se torne “velada”, assim como é o racismo. Acho que juridicamente as coisas podem, sim, funcionar bem. É só a pessoa realmente ter garra para ir atrás dos seus direitos. O mais importante é a esfera social, aquela que realmente precisa ser trabalhada todos os dias.
E que recado vocês gostariam de dar para toda a galera que se emocionou com a história e vibrou com a vitória de vocês?
Nunca se resignem. É só isso… Lutem com amor pelo amor! =)
SERVIÇO
O Centro Estadual de Combate à Homofobia, que está ajudando as meninas no caso, fica na Rua Benfica, 133, no bairro da Madalena.
E-mail: cech@sedsdh.pe.gov.br . Tel: (81) 3183-3182.
Fonte: DP Diario de PE\ Blog LGBTudo
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