“A cachaça vem dos mais velhos dias do Brasil. Vem dos primeiros
alambiques de engenhos de cana-de-açúcar. E o engenho de açúcar madrugou
no Brasil Colônia”, escreveu Gilberto Freyre no texto “Cachaça”, de
1977. Mais de 500 anos do nosso recente País, aproximadamente a mesma
idade do destilado mais antigo das Américas. Segundo os pesquisadores,
não há dúvidas de que a cachaça tenha nascido intencionalmente em algum
engenho da costa brasileira, mas não se sabe ao certo o local. As
diferentes vertentes conduzem a três locais: Pernambuco, Bahia e São
Paulo, entre os anos de 1516 e 1532 e, desde 2001, o líquido carrega
outro importante selo, o de Indicação Geográfica*, atestando que ele é
produto nacional.
Ainda buscando o reconhecimento, a cachaça já foi símbolo da
brasilidade como resistência ao domínio português na época da
Inconfidência Mineira, em 1789. Dizem até que o último pedido de
Tiradentes teria sido “molhem a minha goela com cachaça da terra”. O
gastrônomo e mestrando em História, Frederico Toscano, ainda destaca o
episódio no qual a cachaça fez história, quando o padre João Ribeiro
que, durante o período da Revolução Pernambucana de 1817, trocou o vinho
português pela “água que passarinho não bebe” nos rituais das missas.
Depois da metade do século 19, com a economia cafeeira, abolição da
escravatura e início da República, um largo preconceito se criou frente a
tudo que fosse brasileiro, prevalecendo a valorização da cultura
europeia: a cachaça estava em baixa. Na sequência, a bebida teve que
batalhar o seu espaço para que os brasileiros não a olhassem como
líquido inferior e de má qualidade. “Existia esse preconceito, mas acho
que as coisas já estão mudando há algum tempo. Hoje, já é possível
encontrar pessoas que apreciam de verdade, até mesmo com o
reconhecimento internacional”, avalia o proprietário e mestre
alambiqueiro da Cachaçaria Orgânica Sanhaçu, Oto Barreto Silva, que fica
em Chã Grande. Hoje, de acordo com o grupo Salinas de cachaças
artesanais, ela é considerada o terceiro destilado mais consumido do
mundo e, em países como Alemanha, a caipirinha, drinque com limão à base
de cachaça, é muito mais consumida que o uísque, por exemplo.
Segundo dados do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), o Brasil
tem capacidade instalada de produção de aproximadamente 1,2 bilhão de
litros e, atualmente, são escoados por mais de 40 mil produtores. As
microempresas correspondem a 99% do total de produtores, destacando-se
os estados de São Paulo, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Paraíba.
Desses, Minas Gerais é o campeão em produção da bebida artesanal, em
seus quase dez mil alambiques. Enquanto, em Pernambuco, só existem sete
fábricas. “Minas foi o primeiro local a atentar para o valor da cachaça,
correr atrás de tecnologia e formação”, aponta o cachacista Jairo
Martins da Silva.
Mesmo com todo esse potencial, menos de 1% da cachaça produzida
anualmente é exportada. Ainda de acordo com o Ibrac, atualmente, cerca
de 60 países importam, anualmente, um total de 9,8 milhões de litros,
gerando uma receita de US$ 17,28 milhões. Dentre os principais mercados
de destino estão Alemanha, Portugal, Estados Unidos e França. Pitú é a
cachaça mais exportada do Brasil e a mais consumida na Alemanha,
principal mercado consumidor no exterior. Sua comercialização no mercado
internacional teve início em 1970 e, atualmente, está em mais de 50
países e em mais de 40 lojas free shop espalhadas por todo o mundo. Por
isso, nos índices de exportação, Pernambuco está sempre à frente, mesmo
com um número inferior de alambiques em relação a Minas Gerais.
“Só quem exporta são as grandes indústrias. Fica difícil para o
produtor artesanal porque fabricamos em quantidade bem menor. Mas, em
2013, será o nosso foco junto à Associação Pernambuca dos Produtores de
Aguardente de Cana e Rapadura para viabilizar o envio dos produtos para
o exterior. A demanda existe, agora só falta essa articulação”, comenta
Oto.
Entendendo as diferenças
O que é o quê?
Aguardente - É o nome dado a qualquer bebida obtida a partir da fermentação de vegetais doces
Cachaça - Nome dado à aguardente extraída da
cana-de-açúcar apenas. Para o Ministério da Agricultura, a denominação é
típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil com
graduação alcoólica de 38% a 48%, a 20º C. Pela lei brasileira, há
diferenças entre cachaça e aguardente de cana, que podem ter entre 38% e
54% de graduação alcoólica. Assim, toda cachaça é uma aguardente, mas
nem toda aguardente é cachaça.
Etapas da produção artesanal
A cana - Tudo começa na plantação da cana-de-açúcar, que é a
matéria-prima para a fabricação da cachaça. “A cana usada na produção do
destilado artesanal é colhida manualmente e não é queimada, prática que
precipita sua deterioração”, explica Oto.
Moagem - Depois de cortada, a cana madura deve ser
moída no mesmo dia, o prazo máximo dado entre o corte e a moagem é de 36
horas. As moendas separam o caldo do bagaço, que será usado para
aquecer as fornalhas do alambique, fazendo o reaproveitamento do mesmo.
Fermentação - Como cada tipo de cana apresenta teor
de açúcar variado, é preciso padronizar o caldo com a adição de água
para depois fermentá-lo pela ação das leveduras (agentes fermentadores
naturais que estão no ar).
Destilação - O vinho de cana produzido pela levedura
durante a fermentação é rico em componentes nocivos à saúde, como
aldeídos, ácidos, bagaços e bactérias, mas possui baixa concentração
alcoólica. Como a concentração fixada por lei é de 38 a 54 GL, é preciso
destilar o vinho para elevar o teor de álcool. O processo é fazer
ferver o vinho dentro de um alambique de cobre, produzindo vapores que
são condensados por resfriamento e apresentam, assim, grande quantidade
de álcool etílico. “Os primeiros 10% de líquido que saem da bica do
alambique (cabeça) e os últimos 10% (cauda) devem ser separados,
eliminados ou reciclados, por causa das toxinas”, lembra o mestre
alambiqueiro.
Envelhecimento - O envelhecimento é a etapa final,
quando o líquido é estocado em barris de madeira, onde ainda acontecem
reações químicas. As madeiras podem variar, o carvalho e a amburana
(também chamada umburana), por exemplo, conferem ao destilado um tom
amarelado e mudam seu aroma.
Fonte: RACHEL MORAIS, da Folha de PE
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