Quem foi ao Parque Dona Lindu, domingo passado, assistir ao show do projeto "Nívea Viva Elis", com Maria Rita cantando músicas de Elis Regina, parecia já ter como pressuposto o "vou gostar". Como não gostar de toda a propriedade que é uma filha interpretando canções da mãe, num domingo de céu claro tendo como cenário um belo parque à beira-mar? Jogo ganho, fácil. De fato, o projeto "Nívea Viva Elis" é excelente como lógica de marketing cultural (e não vai aqui nenhum demérito, pelo contrário), dá acesso ao público a um espetáculo de qualidade, lembra uma grande cantora, tudo de graça, etc etc etc.
Confesso que, em vários momentos, é, de fato, comovente ver praticamente a "encarnação" da mãe Elis na filha Maria Rita. Mas, com a progressão do show, fiquei com uma questão intermitente: como julgar um espetáculo como aquele? A gente iria levar em consideração que Maria Rita "imitou" bem Elis? Ou que "releu", de maneira particular, o legado da mãe? Outra coisa: o público queria "ver" Elis ou Maria Rita? Curioso que, ao final de várias canções, ouvia-se ecos de "Elis! Elis! Elis!". Detalhe: estávamos diante de Maria Rita.
Vou tentar compartilhar a minha experiência sobre o espetáculo, que, talvez, traduza a inquietação e o deleite que foi ver Maria Rita cantando Elis. Acho que gostei mais dos momentos em que, deliberadamente, eu acreditei que as músicas de Elis poderiam estar no repertório de Maria Rita. Por exemplo, "Alô Alô Marciano" tem a ironia de "Pagú". "Madalena" lembra o andamento de "Cara Valente". E assim por diante. Nestes momentos, eu enxergava, de fato, um "entre": aquela cantora que estava ali, diante de mim, não era somente Maria Rita, nem somente Elis Regina. Era uma espécie de DNA que se materizalizava em som e gestos.
Em outros, havia uma entrega tão evidente de Maria Rita e um esforço tão grande em "estar à altura" de Elis que se traduzia em um valor: "Como Nossos Pais" foi de arrepiar. "Romaria" também. Em outros momentos, no entanto, tive a impressão de que a sombra de Elis pairava e, naturalmente, a uma Maria Rita assombrada, só restava o susto da imitação. Foi o caso de "O Bêbado e O Equilibrista", "Me Deixas Louca", faixas tão marcadas de Elis que seria difícil para qualquer artista refazer o percurso dela.
Fica a ambivalência do espetáculo, que, em sua gênese, já é ambígua: alguém cantando alguém, como se fosse esse alguém homenageado. É talvez como o Mito da Caverna, de Platão: será que estávamos todos assistindo a vultos, sombras performáticas de Elis? Queríamos o real? Ou nos encantamos, apenas, com o mito nostálgico e longínquo?
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