domingo, 16 de setembro de 2012

A arte do café

São duas da tarde de uma segunda-feira. O Porto de Santos (SP), como sempre, está muito movimentado. Diversos produtos entram nos navios para alcançar mercados mundiais. Enquanto isso, em um pequeno escritório próximo àBolsa do Café, na Rua 15 de Novembro, no centro da cidade, Davi Antônio Pinto Teixeira chega para mais um dia de trabalho. Mãos firmes, visão precisa, olfato aguçado e paladar apurado. São essas as qualidades que Davi utiliza há 70 anos para degustar e classificar os grãos de café brasileiros que ganharão o mundo. 

Davi é o filho mais velho de uma família de quatro irmãos. Seu pai era pedreiro, mas em 1943 – época da Segunda Guerra Mundial –, não havia muitos serviços em um país ainda quase totalmente agrário. O primogênito de dez anos teve, então, que abandonar as peladas de todas as tardes para lavar louças no laboratório de classificação estadunidense Leon Israel Agrícola e Exportadora. Logo, o garoto já identificava o aroma de cada tipo de café. “O café é totalmente místico. Ele se transforma dependendo do ambiente, da torra, da água e da colheita”, explica Davi. 

Depois de três anos, o talento do jovem adolescente já era reconhecido. O chefe da cozinha da empresa – um italiano que esteve em combate na Guerra – propôs um desafio ao garoto. Toda noite, eles checavam se as anotações de Davi correspondiam às classificações dadas pelos degustadores ao longo do dia. Não deu outra: a habilidade estava comprovada. Ele, então, foi promovido a ajudante do ajudante do classificador. “Nessa época, já consegui identificar, distinguir e dar a qualidade de cada grão”, conta. Foi quando a paixão começou.

Com sete anos de trabalho, mas apenas 17 de idade, Davi tornou-se o terceiro degustador da empresa. O próximo emprego foi na Volkart Irmãos Ltda, como principal classificador. Por volta de 1953, Davi criou o café fino Alpha, de blend 17/18. “Junto com outras pessoas, criei um café de sucesso que até hoje é exportado para a Itália”, relembra com orgulho. A bebida é doce com um leve gosto cítrico e, às vezes, apresenta um aroma floral.
Davi ainda trabalhou como gerente de uma corretora, onde identificava a qualidade do café para comercialização. Cansado do turno de doze horas, ele voltou para a velha paixão: há 24 anos, degusta café na Wolthers & Associates. “Nós aqui damos atenção ao que poucos dão valor: o amargor do café”, conta, ao explicar que quanto maior o amargor, menor é a qualidade do café. Davi diz que até hoje se surpreende com os diferentes aromas que o café possui. Confira abaixo o vídeo, em que o degustador mais experiente do Brasil fala mais sobre a sua arte.

A primeira parte da degustação é a análise física, onde são separados 300 gramas de café e feita a classificação do grão. Com o tato é possível perceber a umidade do café, que deve estar entre 11,5 e 12%. Quanto mais velho for o café, mais seco ele é. Já quando o grão está mais úmido, ele pode acabar fermentando durante o armazenamento, diminuindo a qualidade do aspecto da bebida. A peneiração separa os grãos por granulação, isto é, o tamanho. “Geralmente, os grãos graúdos são mais valorizados”, explica Davi.
Mesmo nesta primeira etapa, já é possível perceber alguns defeitos do café, tais como verdes, quebrados, brocados, chuvados ardidos e pretos, sendo este último o de maior peso na tabela de classificação. “Um café comercial pode ter até 360 defeitos”, explica Davi. Já um gourmet não pode ter mais de quatro. Com o número de defeitos e com a tabela de classificação oficial do café (COB) é possível determinar o tipo do café: de 2 a 8.
Já a pontuação do grão só é feita após a degustação. Primeiro, 200 gramas são separados para torrar. Essa torra é mais clara, conhecida como tipo americana. A granulação também é diferente da preparada para o consumo: são 14 partículas por centímetro quadrado, uma moagem mais grossa.
A água a 90ºC é despejada nas xícaras (140 ml), cada uma com 10 gramas do café moído. O degustador, então, sente o aroma da bebida. “Temos de vinte a 25 segundos para sentir os gases que são aflorados pelo café”, explica Davi, que utiliza uma colher para intensificar a explosão de aromas. A moagem mais grossa usada na etapa anterior facilita o rompimento dos gases que trazem à tona os defeitos e as qualidades do café.
A última etapa é a degustação, que é feita por meio de sucção, para que o líquido passe por todas as papilas gustativas de língua. Depois da prova, já é possível dar a classificação do café. O tipo comercial recebe de 70 a 80 pontos. Já o gourmet e os especiais são classificados entre 80 e 86 pontos e os extras especiais até 100 pontos. 

O Brasil não é apenas referência em produção de café. O país também atrai diversos estrangeiros interessados nos cursos de degustação. Um dos mais renomados é o promovido pela organizado pela Associação Comercial de Santos, onde Davi é professor. São cinco turmas anuais formadas por até 20 alunos cada. 


Curso de Classificação e Degustação de Café 
Período: março, maio; julho (para estrangeiros), setembro e novembro 
De segunda a sexta das 8h às 10h (40 horas) 
Preço: R$ 800 para associados e R$ 1.500 para não sócios 
Telefone: (13) 3212-8200 
Endereço: Rua XV de Novembro 137 - Centro – Santos (SP)
Fonte: Globo Rural


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